- Alô?
- Oi Matheus.
- Ah sim, oi Lucas. O que você quer agora às… Porra! 2h57 da madrugada?!
- Só conversar, você me escuta?
- Eu tenho escolha? Calma, você tá bêbado cara?
- Você fala como se fosse alguma novidade. Eu realmente não me lembro de ter ficado mais de dois dias sóbrio, nos últimos quatro meses.
- Então, é ela, de novo?
- Exato. É ela cara, que vem e volta no meu pensamento, é ela com aquele sorriso de criança. Ela com aquela voz doce, cantando músicas de todos os tipos. Aquela voz… Como me encanta. E como eu tenho saudade de ouvi-la dizendo meu nome, da forma como só ela consegue fazê-lo. E a risada? Uma risada alta, clara e contagiante. As mãos, passando pelo meu rosto e minha barba mal feita que ela sempre reclamava. Suas mãos macias passando pelo meu corpo e me fazendo dormir. Saudade dela, de tudo dela, do jeito dela. Dela. Ela. Minha. Alice.(Suspiro) Ainda está ai?
- Tem como não estar? Acompanho a história de vocês a anos. Eu ajudei lembra? Agora continua falando que é melhor pra você, e eu aproveito e tento pegar no sono.
- Eu te dou sono? É isso?
- Lucas?
- Não, sério, não estou bravo. Foi mal cara, boa noite. Eu vou continuar falando. Vou pegar o meu antigo gravador. Tem umas fitas dela por aqui sabia? Mas boa noite.
- Então ok… Boa noite. Só não faça nenhuma besteira.
- Vou tentar.
Fim da ligação.
"Bem, oi? Aqui quem está falando é o Lucas. São 3h41 da madrugada e eu estou com uma garrafa de Jack Daniel’s em uma mão e um gravador velho, de 1962 em outra. Estava no telefone com o Matheus, mas está tarde de mais, ou cedo, para continuar importunando-o. Estou aqui, olhando para a janela desse maldito loft de 50m² que eu tive de alugar, depois de sair da minha antiga casa. Porque eu sai? Porque sou um inútil por completo, orgulhoso e mau caráter que tem medo de pedir desculpas para a mulher que ama. Alice. Minha pequena Alice. Onde é que a gente foi parar? Eu por aqui, bebendo, indo a festas e bares fingindo que irei achar você em qualquer uma das outras mulheres que encontre. Estúpido. Sei que você também sente a minha falta, mas não lhe imagino na mesma situação que eu. Você, com tanta compostura. Não é fácil conseguir imaginá-la bebendo sozinha, na sala da nossa casa. É fácil imaginá-la sorridente, mesmo que com outro cara.
Sorridente… Seu sorriso… Seu olhar… Não, outro cara não. Você é minha. É minha desde que te conheci, desde quando era um pirralho e não sabia o que era amor. Desde quando fiquei com mulheres erradas e lhe ajudei a estar com outros caras. Desde quando lhe dei aquele beijo depois de vê-la chorando por Rose e Jack em TITANIC. Seus lábios macios e seu beijo profundo. Só você conseguiu me tirar o fôlego em qualquer beijo, não só em beijos.
Lembra-se quando decidimos ano passado, pegar uma mochila e dinheiro e partir para a Europa? 19 anos, férias em ambas as faculdades, folga no trabalho. Eu, você, duas mochilas e um cartão de crédito. Documentos, passagens à mão e nenhum destino. Veneza foi espetacular, conseguimos ficar naquela pousada que você dizia ser “sutil” bem perto da Ponte dos Suspiros. Em seguida Paris, Berlin e Roma. Foram 15 dias sem direção, com direito a risadas e aventuras. Em seguida, voltamos para o Brasil e revelamos nossas fotos. E é claro que você se lembra das fotos. Pergunto-me se você mexeu nelas. Naquele painel que fizemos no nosso quarto, com mais de 600 fotos da nossa viagem maravilhosa.
Espera um minuto que eu vou ligar o rádio. Pronto. Acho que dá pra ouvir por ai, na gravação? Escute. “Bury all your secrets in my skin, come away with innocence, and leave me with my sins…” Não estou ouvindo a rádio em si, mas o som ligou bem naquele CD que gravamos juntos, com 150 músicas, dois meses antes de eu sair. O escuto toda semana. Aliás, sempre que estou consciente o suficiente de minhas ações para prestar atenção nas músicas. Ah sim, estou bebendo agora, ou estou bêbado. Mas estou daquele jeito que você conhece, do jeito que ficava quando fazíamos nossa sessão pipoca: bêbado o suficiente para ficar feliz, e sóbrio o suficiente para ter noção do que estou fazendo. E então eu me pergunto “porque estou fazendo essa gravação?”, e a resposta é óbvia: ESTOU COM SAUDADES. Mas provavelmente você nunca chegue a escutar essa fita. Ou talvez eu envie-a pelo correio. Ou coloque na porta do nosso apartamento quando você estiver no trabalho. Ou entrego para o João, o porteiro do meu escritório. (Sei que você já conversou com ele pelo menos duas vezes, mas não foi ele que me contou, tive sorte o suficiente de estar na janela para poder te ver).
Acho que você também sente a minha falta. E eu te amo. Muito. Sempre amei, desde quando entendi o que era amor. Por isso eu sai de casa, porque eu te fiz mal o suficiente para me sentir a pior pessoa do universo. Por isso eu não consigo imaginá-la triste e desejo somente a sua felicidade, seja com quem for. Mas eu sou egoísta, sempre fui e assumo e desejo ser o causador de sua felicidade, de seus anseios, de suas vontades. Desejo colocar-lhe sorrisos no rosto, e fazer escorrerem lágrimas de alegria e risadas em tua face. Agora está tocando Capital, aquela música que ouvimos depois da primeira vez, aos 17 e ela era praticamente inédita… “Me leve para sua casa, eu quero dormir onde você mora.” Irônico não acha? Tal letra, em tal momento. Agora eu estou chorando. Porra, como eu odeio chorar. Sinto-me mais frágil. Na verdade não, minto, chorando eu demonstro todos os meus medos e fraquezas.
Alice, minha doce e pequena Alice. Você me perdoa e me permite dizer-lhe que te amo mais uma vez? E eu cito aqui, de mãos atadas e uma garrafa vazia, eu, Lucas, profiro minhas palavras e meu sentimento, declaro-te meu perdão, palavras de Capital transformadas em verdade: Agora, pra sempre, foi embora mas eu nunca disse adeus."
Fim da gravação.
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